Dia 6 de novembro de 2008, 5h da tarde.
O sol estava mesmo de rachar. O dia que começou meio nublado, com ares de chuva, de repente abriu-se num céu azul e num sol de brilho radiante. Lembrei das andanças do Naziazeno, de Machado de Assis, por Porto Alegre: "O sol era uma moeda em brasa". E lá estavam todas aquelas pessoas, pouco ligando para o sol, para a possibilidade de chuva, ou o que quer que fosse que as condições climáticas as reservasse. Todas aquelas pessoas aguardavam a abertura dos portões do estádio "carinhosamente" conhecido como "Zequinha". Cerca de 40 minutos depois do horário previsto, abriram-se os portões. Sem muita tensão ou correria, pouco a pouco aquelas pessoas foram ingressando no estádio, preenchendo os espaços, acomodando-se nos lugares a elas destinados que mais lhes agradava.
Os que primeiro chegaram, que aguardaram na fila para pegar um bom lugar e agora aguardavam sentados sob a grama, tinham cerca de cinco horas de espera até o grande momento. O primeiro espetáculo da banda na capital gaúcha em trinta anos.
Para um "show de rock" e pela fila que se formou muito antes da abertura dos portões, poderia se esperar uma multidão de adolescentes impacientes e sedentos de uma aproximação calorosa até o palco. Mas o que encontramos foi uma platéia madura, trabalhadores que pediram dispensa do trabalho, que deixaram compromissos de lado para participar de um evento que na sua juventude teria sido magnífico, e que agora, mais do que magnífico, representava a confirmação. Afinal, trinta anos se passaram e a banda estava lá, com a formação original, com músicas mais vibrantes do que nunca, e com o mesmo compromisso social de outrora.
A espera foi longa e, por um bom tempo, as pessoas foram chegando silenciosamente e em grupos bem pequenos, o que mantinha a serenidade e o clima de "Redenção aos domingos", um mero encontro com os amigos no parque. Certamente se permitissem a entrada de cuias e bombas de chimarrão, muitos teriam levado as suas “mateiras” para aproveitar aquele final de tarde ao bom e velho estilo gaúcho.
Mas, na falta do chimarrão, o jeito foi sujeitar-se a exploração e pagar R$5,00 por um refrigerante, água, a cerveja eu nem sei quanto estava custando, tenho até medo de pensar.
A noite veio e grupos maiores foram chegando e tentando apoderar-se dos "melhores lugares", o que pressionou o pessoal a ir levantando acampamento e ir se organizando nas tradicionais "fileiras" a partir da "grade" (ah! a tão sonhada grade - a melhor posição para curtir um bom espetáculo). Os "burburinhos" dos "amigos no parque" transformaram-se em falatório em alto e bom som. Ouviam-se gargalhadas e exclamações. De repente, todos começavam a gritar juntos "ô da caixa, aqui!", ou "áaaaaguaaaaaaa". E lá vinha o atendente passando com a caixa velha de isopor em cima do ombro, abrindo caminho em meio a multidão para atender ao chamado. A caixa vinha pingando, nem as fitas adesivas que tentavam conter a água dentro dela resistiam a tanta pressão. Ele passava quase arrastando as pessoas, mas ninguém ligava, afinal "era preciso".
Quase nove horas da noite, já estavam todos devidamente enfileirados, voltados para o palco, rostos aflitos espremiam-se para ver o que se passava, já não estavam mais conseguindo esconder a ansiedade. Nove horas em ponto a banda de abertura sobre ao palco. O Nenhum de Nós, cujo vocalista estava vestido com uma camiseta do R.E.M, pede licença e inicia o seu show. Não se podia distinguir se o nervosismo na voz experiente de "Thedy Correa" devia-se as falhas de som, à responsabilidade de abrir um show daquele porte, se seria por ele estar ciente das tamanhas críticas que a sua banda havia recebido por ser a escolhida para aquela tarefa, ou se simplesmente ele estava também ansioso por aquele show, tão esperado há trinta anos. O certo é que foi a apresentação mais tensa que já vi do Nenhum de Nós, e um dos shows de abertura mais curtos que já havia visto.
Cerca de 30 minutos depois de entrar no palco, Thedy agradeceu ao público e brincou dizendo: "Ficamos por aqui, também queremos assistir a esse show de uma vez!". O público realmente pensava isso: "Que viesse logo o R.E.M", para que aquela sensação de impossibilidade fosse logo embora e pudessem ver "Michael Stipe", "Peter Buck" e "Mike Mills" em suas performances ao vivo.
O Nenhum de Nós se retirou e imediatamente uma multidão de técnicos invadiu o palco para a troca dos equipamentos. A aflição no público foi notável. Alguns grupos já ensaiavam em coros algumas das canções da banda, outros apenas pediam pelo espetáculo. Muitos estavam apenas esperando, pendurados na grade, já sentindo a pressão da massa atrás deles, e tudo o que eles conseguiam pensar era no momento em que a banda R.E.M subiria no palco e apresentaria o seu repertório de clássicos.
Dez horas da noite, "Michael Stipe", "Peter Buck" e "Mike Mills" sobem ao palco e a empolgante "Living Well Is The Best Revenge" abre o tão esperado show. No telão gigante do palco um "boa noite" comunica ao público: "o R.E.M está aqui"!
E os ansiosos e antecipados pressionados contra a tão sonhada grade espantam-se com a distância dos seus ídolos. A sua frente, não alguns seguranças e a banda, nem "Michael Stipe" a dominar o palco, mas uma multidão de pessoas que chegaram cinco horas depois deles, no entanto, tinham agora a oportunidade de ver, aproximar-se e tocar os seus ídolos.
É claro que eles sabiam daquela área, se indignaram quando souberam, depois ao chegar e vê-la com seus próprios olhos; mas foi quando Michael deu o seu primeiro pulo, seu primeiro giro e soltou a sua voz que isso se tornou verdadeiramente injusto e irritante. A frente deles “patricinhas” com seus saltos agulhas e roupas brilhantes em pleno gramado de um estádio de futebol, “playboys” ao celular, em círculos de amizades, conversando sabe-se lá o que, enquanto uma banda que tocava pela primeira vez em Porto Alegre, pela primeira vez no estado, que moveu centenas de pessoas a ficarem horas ao sol numa fila para terem chance de ver seus ídolos de longa data de perto, que estava dando o máximo de si para justificar toda aquela multidão que agora lotava o estádio...
Lá estavam eles, semi-enchendo um espaço que não os interessava de fato, não pelo espetáculo que acontecia as suas costas, mas pelo prestígio, pelo "status" que daria entre "a galera" dizer que estavam lá, na área VIP, num dos shows mais esperados do ano, e tendo chegado em cima da hora, estavam bem acomodados, bem servidos pela copa e seguros.
O momento de indignação passou assim que a banda terminou a primeira canção, desejou boa noite, falou da satisfação de estarem ali e começaram efetivamente o espetáculo mais grandioso que já assisti. Seja pela grandiosidade da banda, pelas suas músicas, pela postura de cada um deles, ou simplesmente por terem lembrado da grande espera pela qual passamos, tantos anos esperando por "Losing My Religion", "Imitation of Life" ou pela nem esperada "Everybody Hurts", a qual não foi tocada em nenhum outro show da América Latina. Uma banda que teve a sensibilidade de adequar o seu repertório aos anseios do seu público. Uma banda que desejou o "fim do mundo como o conhecemos" e tanto incitou para que nos sentíssemos bem.
Com suas músicas positivíssimas, adrenalizantes e encantadoras, o "povão da geral" até esqueceu da distância que os afastava do palco, mas não pôde deixar de perceber entre um período de tempo e outro, dos olhares curiosos daqueles a sua frente, com tanto espaço, sem qualquer interesse. POr vezes pensei: "Não alimente os animais" é o que devem pensar ao nos ver aqui, como animais enjaulados; em contra partida refletia: "será mesmo que somos nós os animais"? Essas são as diferenças e as discrepâncias causadas pelo capitalismo selvagem. E reafirmando essa cultura estigmatizadora, do povão saiu a placa que foi parar nas mãos de "Michael Stipe" em que dizia: "we are obama too". Também somos obama? Um presidente novo que deve seguir a política imperialista a fim de manter os americanos no topo, pisoteando-nos, pressionando-nos para essa miséria?
O intervalo do show acabou, voltei a concentrar-me no R.E.M, "Fall on me" e "Man on the moom" me tiraram do transe e do quase ódio que alimentei por aquela situação. O espetáculo grandioso a minha frente superou qualquer mau pensamento, fabuloso, espetacular, sensacional. Faltam palavras fantásticas que exemplifiquem com perfeição a leveza e a mágica daqueles momentos.
Duas horas depois do início do show, a banda despediu-se e eu, em meio a multidão, fui cantarolando R.E.M pela rua até encontrar um táxi que me levasse para casa. E ao chegar em casa cansada pensei: que noite, mas, "I feel fine!"
:D
O Texto é longo, mas a Lia disse que eu podia!!!!
Os que primeiro chegaram, que aguardaram na fila para pegar um bom lugar e agora aguardavam sentados sob a grama, tinham cerca de cinco horas de espera até o grande momento. O primeiro espetáculo da banda na capital gaúcha em trinta anos.
Para um "show de rock" e pela fila que se formou muito antes da abertura dos portões, poderia se esperar uma multidão de adolescentes impacientes e sedentos de uma aproximação calorosa até o palco. Mas o que encontramos foi uma platéia madura, trabalhadores que pediram dispensa do trabalho, que deixaram compromissos de lado para participar de um evento que na sua juventude teria sido magnífico, e que agora, mais do que magnífico, representava a confirmação. Afinal, trinta anos se passaram e a banda estava lá, com a formação original, com músicas mais vibrantes do que nunca, e com o mesmo compromisso social de outrora.
A espera foi longa e, por um bom tempo, as pessoas foram chegando silenciosamente e em grupos bem pequenos, o que mantinha a serenidade e o clima de "Redenção aos domingos", um mero encontro com os amigos no parque. Certamente se permitissem a entrada de cuias e bombas de chimarrão, muitos teriam levado as suas “mateiras” para aproveitar aquele final de tarde ao bom e velho estilo gaúcho.
Mas, na falta do chimarrão, o jeito foi sujeitar-se a exploração e pagar R$5,00 por um refrigerante, água, a cerveja eu nem sei quanto estava custando, tenho até medo de pensar.
A noite veio e grupos maiores foram chegando e tentando apoderar-se dos "melhores lugares", o que pressionou o pessoal a ir levantando acampamento e ir se organizando nas tradicionais "fileiras" a partir da "grade" (ah! a tão sonhada grade - a melhor posição para curtir um bom espetáculo). Os "burburinhos" dos "amigos no parque" transformaram-se em falatório em alto e bom som. Ouviam-se gargalhadas e exclamações. De repente, todos começavam a gritar juntos "ô da caixa, aqui!", ou "áaaaaguaaaaaaa". E lá vinha o atendente passando com a caixa velha de isopor em cima do ombro, abrindo caminho em meio a multidão para atender ao chamado. A caixa vinha pingando, nem as fitas adesivas que tentavam conter a água dentro dela resistiam a tanta pressão. Ele passava quase arrastando as pessoas, mas ninguém ligava, afinal "era preciso".
Quase nove horas da noite, já estavam todos devidamente enfileirados, voltados para o palco, rostos aflitos espremiam-se para ver o que se passava, já não estavam mais conseguindo esconder a ansiedade. Nove horas em ponto a banda de abertura sobre ao palco. O Nenhum de Nós, cujo vocalista estava vestido com uma camiseta do R.E.M, pede licença e inicia o seu show. Não se podia distinguir se o nervosismo na voz experiente de "Thedy Correa" devia-se as falhas de som, à responsabilidade de abrir um show daquele porte, se seria por ele estar ciente das tamanhas críticas que a sua banda havia recebido por ser a escolhida para aquela tarefa, ou se simplesmente ele estava também ansioso por aquele show, tão esperado há trinta anos. O certo é que foi a apresentação mais tensa que já vi do Nenhum de Nós, e um dos shows de abertura mais curtos que já havia visto.
Cerca de 30 minutos depois de entrar no palco, Thedy agradeceu ao público e brincou dizendo: "Ficamos por aqui, também queremos assistir a esse show de uma vez!". O público realmente pensava isso: "Que viesse logo o R.E.M", para que aquela sensação de impossibilidade fosse logo embora e pudessem ver "Michael Stipe", "Peter Buck" e "Mike Mills" em suas performances ao vivo.
O Nenhum de Nós se retirou e imediatamente uma multidão de técnicos invadiu o palco para a troca dos equipamentos. A aflição no público foi notável. Alguns grupos já ensaiavam em coros algumas das canções da banda, outros apenas pediam pelo espetáculo. Muitos estavam apenas esperando, pendurados na grade, já sentindo a pressão da massa atrás deles, e tudo o que eles conseguiam pensar era no momento em que a banda R.E.M subiria no palco e apresentaria o seu repertório de clássicos.
Dez horas da noite, "Michael Stipe", "Peter Buck" e "Mike Mills" sobem ao palco e a empolgante "Living Well Is The Best Revenge" abre o tão esperado show. No telão gigante do palco um "boa noite" comunica ao público: "o R.E.M está aqui"!
E os ansiosos e antecipados pressionados contra a tão sonhada grade espantam-se com a distância dos seus ídolos. A sua frente, não alguns seguranças e a banda, nem "Michael Stipe" a dominar o palco, mas uma multidão de pessoas que chegaram cinco horas depois deles, no entanto, tinham agora a oportunidade de ver, aproximar-se e tocar os seus ídolos.
É claro que eles sabiam daquela área, se indignaram quando souberam, depois ao chegar e vê-la com seus próprios olhos; mas foi quando Michael deu o seu primeiro pulo, seu primeiro giro e soltou a sua voz que isso se tornou verdadeiramente injusto e irritante. A frente deles “patricinhas” com seus saltos agulhas e roupas brilhantes em pleno gramado de um estádio de futebol, “playboys” ao celular, em círculos de amizades, conversando sabe-se lá o que, enquanto uma banda que tocava pela primeira vez em Porto Alegre, pela primeira vez no estado, que moveu centenas de pessoas a ficarem horas ao sol numa fila para terem chance de ver seus ídolos de longa data de perto, que estava dando o máximo de si para justificar toda aquela multidão que agora lotava o estádio...
Lá estavam eles, semi-enchendo um espaço que não os interessava de fato, não pelo espetáculo que acontecia as suas costas, mas pelo prestígio, pelo "status" que daria entre "a galera" dizer que estavam lá, na área VIP, num dos shows mais esperados do ano, e tendo chegado em cima da hora, estavam bem acomodados, bem servidos pela copa e seguros.
O momento de indignação passou assim que a banda terminou a primeira canção, desejou boa noite, falou da satisfação de estarem ali e começaram efetivamente o espetáculo mais grandioso que já assisti. Seja pela grandiosidade da banda, pelas suas músicas, pela postura de cada um deles, ou simplesmente por terem lembrado da grande espera pela qual passamos, tantos anos esperando por "Losing My Religion", "Imitation of Life" ou pela nem esperada "Everybody Hurts", a qual não foi tocada em nenhum outro show da América Latina. Uma banda que teve a sensibilidade de adequar o seu repertório aos anseios do seu público. Uma banda que desejou o "fim do mundo como o conhecemos" e tanto incitou para que nos sentíssemos bem.
Com suas músicas positivíssimas, adrenalizantes e encantadoras, o "povão da geral" até esqueceu da distância que os afastava do palco, mas não pôde deixar de perceber entre um período de tempo e outro, dos olhares curiosos daqueles a sua frente, com tanto espaço, sem qualquer interesse. POr vezes pensei: "Não alimente os animais" é o que devem pensar ao nos ver aqui, como animais enjaulados; em contra partida refletia: "será mesmo que somos nós os animais"? Essas são as diferenças e as discrepâncias causadas pelo capitalismo selvagem. E reafirmando essa cultura estigmatizadora, do povão saiu a placa que foi parar nas mãos de "Michael Stipe" em que dizia: "we are obama too". Também somos obama? Um presidente novo que deve seguir a política imperialista a fim de manter os americanos no topo, pisoteando-nos, pressionando-nos para essa miséria?
O intervalo do show acabou, voltei a concentrar-me no R.E.M, "Fall on me" e "Man on the moom" me tiraram do transe e do quase ódio que alimentei por aquela situação. O espetáculo grandioso a minha frente superou qualquer mau pensamento, fabuloso, espetacular, sensacional. Faltam palavras fantásticas que exemplifiquem com perfeição a leveza e a mágica daqueles momentos.
Duas horas depois do início do show, a banda despediu-se e eu, em meio a multidão, fui cantarolando R.E.M pela rua até encontrar um táxi que me levasse para casa. E ao chegar em casa cansada pensei: que noite, mas, "I feel fine!"
:D
O Texto é longo, mas a Lia disse que eu podia!!!!
Olá! Quanto tempo!
ResponderExcluirComo vão as coisas?
Forte abraço!