quarta-feira, abril 12, 2017

Resenha: Lá vem todo mundo, por Clay Shirky

E eis que, quase duas semanas sem postar eu volto, com a prometida resenha de "Lá vem todo mundo" de Clay Shirky. No post anterior (acesse aqui) eu terminei o texto falando da minha expectativa sobre o livro, já que o post falava de desempenho no Instagram, e o título deste livro é bastante promissor.

Acontece que existe um subtítulo "O poder de organizar sem organizações", que diz bastante sobre o que será tratado na obra: grupos de pessoas. Não foi uma decepção, e muito menos uma perda de tempo. Só uma mudança de perspectiva.

E uma pergunta que o livro não entrega: "Como surgem tendências e opiniões?" feita por Chris Anderson (aquele mesmo, de "A cauda longa"), e que aparece impressa na capa para despertar a curiosidade de quem se interessa pelo assunto. Talvez Clay Shirky conte "como" em algum momento, mas não nesse livro - não exatamente.

O livro é extenso e vou tentar resumir "um pouco" algumas passagens, porque acredito que são bem úteis ou convenientes para quem se interessar pelo título e vir parar nesse post.




Resenha: Lá vem todo mundo, por Clay Shirky


Os primeiros capítulos são dedicados a exemplificar, quase desenhar (e isso é um ponto muito positivo - e também negativo - desse autor), como as novas tecnologias de comunicação via internet (e seu suporte no hardware) estão transformando as relações sociais ao facilitar a reunião de pessoas em torno de uma causa - seja ela qual for. Ele lista uma série de casos em que as pessoas se organizaram para resolver um problema, mover uma ação, ou se divertir.

Ele explica que sobre a questão social/antropológica dos seres humanos, sobre sermos sociáveis e de termos essa predisposição a nos agruparmos. E o quanto a tecnologia facilitou isso, motivo pelo qual isso hoje acontece mais do que nunca. Ou seja, as tecnologias não transformaram o comportamento, apenas foi conveniente para que um desejo humano se tornasse real.

No livro são apresentadas uma série de teorias que "regem" o modo como essas relações e agrupamentos vão acontecendo, porque não era possível antes, porque não pode ser "replicada" em organizações/instituições/corporações. Em uma organização, o tempo tem custo, é preciso pessoas para supervisionar custos, e quanto maior for o grupo, mais pessoas são necessárias inviabilizando todo o processo.

Simplificando, o motivo são os custos de gerenciamento. Uma organização de pessoas geradas espontaneamente é auto-regulada pelas pessoas para que o grupo se mantenha; o capital social está no meio dessa fórmula - e é a partir daqui que a leitura fica densa e parece difícil. Mas, Shirky tem um estilo de escrita que não nos deixa desistir. Cara cada teoria há um exemplo, e esses exemplos são contados de forma romanceada. São histórias reais, contadas de uma forma muito prática, dá pra entender tudo.

Uma constatação antiga, mas bem atual para o período em que o livro foi escrito é que "cada pessoa é um veículo de comunicação" no momento em que qualquer um pode publicar o que quiser na internet com livre acesso de qualquer um. Aqui entra uma discussão que me fez voltar no tempo, diretamente para as aulas de teorias da comunicação (só que bem mais legal).

A comunicação nos tempos de ouro das mídias de massa, como TV, rádio e jornal, funcionavam (e Shirky mostra que nada mudou) no sistema "um para muitos". A internet e a facilidade de publicação online muda isso para um sistema "todos para todos" (qualquer um pode publicar o que quiser na internet com livre acesso de qualquer um).

E até essa máxima ele consegue derrubar quando mostra o paradoxo: quanto mais popular fica um blog ou uma pessoa, menos ela vai conseguir se comunicar com todos, transformando essa comunicação em "todos para um", ainda que com algumas ressalvas. Então o livro é todo assim, mostra como é, como era e como se transforma, e como isso volta em ciclos mudando, dia a dia, o modo como a sociedade se comunica. (É muito bom ler sobre isso).


E chegamos ao "publique depois filtre"


Essa é uma teoria "constante" no texto. A facilidade de publicação online, o aumento de pessoas conectadas e potenciais "publicadores" e a dificuldade de se filtrar o que presta ou não nesse meio. O autor me mostrou uma perspectiva interessante sobre as conversações que eu julgo "desnecessárias", tais como as piadinhas internas contadas publicamente, fotos do dia a dia, e assuntos pessoais que pouco importam para quem não tem intimidade com o interlocutor.

Justamente! Clay Shirky explica que elas pouco nos interessam porque não são para nós mesmo. Ele faz uma analogia muito boa, comparando o meio digital com a praça de alimentação de shopping center. Pense: um grupo de jovens sentados na mesa ao lado estarão falando sobre a festa de ontem, você vai ouvir o que eles falam, mas eles não estarão falando com você. Sem mais! É isso.

Outro tópico bem interessante é sobre a "produção colaborativa". Shirky explica que ela parte de uma motivação pessoal. A facilidade de encontrar outras pessoas com os mesmos interesses faz surgir rapidamente um grupo que estabelece normas e começa a construir algo.

O exemplo desse fenômeno não poderia ser outro se não a Wikipedia. Ele conta como ela surgiu e como se transformou no que é hoje, porque quase não sofre ataques, crescendo a cada dia, recebendo muitas pessoas que colaboram pouco, e poucas pessoas que colaboram muito. Outro exemplo citado foi a criação do Linux. É simples, quando se lê assim, de um pesquisador tão experiente e com talento para contar a história!



Ações coletivas e desafios institucionais  


Em determinado momento o autor fala de como escândalos na igreja católica tiveram repercussão forçada por um grupo de pessoas, de modo que estes não puderam ser abafados. Na medida em que as pessoas ficavam sabendo do assunto (velocidade de compartilhamento), mais denúncias surgiram, grupos se formaram pressionando, a imprensa não podia mais conter e evitar de cobrir o caso. E providências tiveram que ser tomadas.

Enquanto lia esse capítulo ouvi falar de escândalos na principal emissora de televisão brasileira. Primeiro uma denúncia de assédio, que foi publicizado pela vítima, recebeu apoio de outras pessoas que se identificaram com a causa, e quando menos se esperou - a acusado do assédio estava afastado e a emissora se pronunciando sobre o fato.

Poucos dias depois, pessoas que assistiam um reality show nessa mesma emissora se revoltaram com a agressão de um dos participantes a sua "colega" de programa. Neste caso, o fato público começou a ser discutido nas redes sociais, onde muitos grupos feministas já se reúnem há algum tempo, e a pressão foi tanta que resultou em numa denúncia formal de agressão e a expulsão do participante que - dizem - foi levado pela delegacia da mulher que estava lá para acompanhar a sua saída. Novamente a emissora teve que "cobrir" esse fiasco para acalmar os ânimos.

Como se não bastassem os exemplos no livro, a vida real estava ali me mostrando o que o autor tão bem explicava no livro. Achei isso sensacional! No livro Clay Shirky explica porque isso acontece tão fortemente com o advento das tecnologias e das redes sociais online. Novamente: o custo. É muito fácil e barato encaminhar, compartilhar, um pouco menos é postar, produzir um texto, mas alguns fazem e, dado esse primeiro passo, basta que outras pessoas tenham acesso ao material, identifiquem-se com a causa, para contribuir para que este atinja um número ainda maior de pessoas.

O lado negativo disso é que todos já percebemos isso, e muitas vezes esse volume de apoiadores online não é levado muito a sério. Não tanto quanto seria uma carta escrita a mão, ou a reunião, a mobilização, de pessoas antes de termos acesso a essa facilidade de agrupar pessoas com interesses semelhantes. Ele fala de como a "chuva de emails" para políticos não surtem qualquer efeito hoje em dia. E eu lembrei de pessoas que passam os emails dos políticos para que enviemos nossa indignação sobre qualquer coisa que estejam votando, como forma de pressioná-los. Nunca acreditei, agora vejo que nem deveria mesmo.

 Alguns grupos mencionados no livro usaram uma estratégia diferente, como o envio de alguma coisa que custasse um pouco de dinheiro, para passar uma mensagem equivalente a carta que era enviada antigamente. Alguns enviaram flores, outros amendoins, para chamar a atenção e pressionar uma instituição a mudar sua conduta. Mostrar que gastaram dinheiro, segundo Shirky, é uma forma de provar o quanto se importam.



Voltando aos desafios institucionais


O autor fala da impossibilidade de uma organização aceitar o custo de um fracasso, motivo pelo qual ela acaba tendo que fazer uma escolha que a deixa pouco eficaz quando o assunto é inovar. (Nestes capítulos vi meu TCC passando diante dos meus olhos!)

Shirky explicou antes a teoria de potência, de rede e outras que preferi não escrever aqui (afinal tem que sobrar alguma coisa para vocês lerem no livro!). Mas, o que se prevê é que existe uma quantidade muito maior de pessoas que têm uma grande ideia (na vida), do que pessoas que têm muitas boas ideias o tempo todo. Outras têm mais perfil para começar, outras de corrigir, dar sequência a um trabalho e assim por diante.

Esse contexto explica porque a Wikipédia e o Linux deram tão certo, enquanto a Microsoft, por exemplo, pena para fazer um software tão bom quanto (minha opinião) ou de outras empresas de conseguirem inovar. Uma organização precisa escolher um número limitado, de preferência que tenha todos os skils, o que é impossível. E assim, ela perde a organicidade que um projeto compartilhado tem.

Um projeto colaborativo que não dá certo não muda nada na vida daqueles que contribuíram nele, não há salários nem obrigações envolvidas. Diferente de uma empresa que precisa pagar pelo tempo das pessoas e precisa ter lucro para isso.


Análise geral sobre "Lá vem todo mundo"


O livro é longo, por vezes cansa (principalmente quando se tem um livro de Doctor Who esperando para ser lido), mas é muito útil e bem escrito. Quem é da comunicação, trabalha com comunicação digital, social media, gestão de redes sociais, se interessa pelas transformações sociais. É um livro necessário.

Clay Shirky abrange tanta coisa, que em determinado momento e ele fala da criação da imprensa, dos monges que escreviam os livros à mão, da transformação do trabalho. Fala inclusive de como a tecnologia liberta o trabalhador, dando-lhe mais tempo para ocupar-se com outras coisas. Então, é uma leitura rica, ampla sem ser raso (como se vê em muitos livros por aí).

Então recomendo, para quem realmente se interessa e gosta do tema (claro).

=P

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