segunda-feira, junho 06, 2022

Resenha | Alamut, de Vladimir Bartol

 Sabe o que é? Você só sabe que “assassino” é assassino, por causa de Alamut. Na verdade não é bem isso, mas calma que eu explico, ou tento explicar!




Resenha | Alamut, de Vladimir Bartol

“Alamut”, de Vladimir Bartol, é a versão do autor para a história de Hasan ibn Sabbah, conhecido como “o velho da montanha”. Esse cara criou a “ordem dos assassinos” no século XI. Uma divisão de elite, e suicida, do exército que ele forma para proteger os Ismaelitas e claro, ampliar a influência dessa “divisão” religiosa entre os muçulmanos xiitas.

Eu poderia parar essa resenha por aqui e isso já seria motivo de sobra pra alguém ler o livro. Essa “ordem dos assassinos” foi o que deu origem ao que hoje conhecemos como "assassinos", a origem da palavra veio do haxxīxīn 'consumidor de haxixe' < persa hassassin 'designação da seita do Norte do Irã que, nas Cruzadas, consumia a erva, antes de lutar'. 

E aqui a gente entra numa outra questão importante, que é o fato de essa galera ter sido formada ali em meio às perturbações e conflitos gerados pelas cruzadas. No livro acompanhamos apenas a ascensão dos Ismaelitas por meio do “velho” que se dizia indicado por Alá, o qual teria lhe entregado as chaves do paraíso.

Com esse “poder”, ele é capaz de decidir quem levar (homens vivos ou mortos) para os jardins paradisíacos e as suas Huris. O que significava acesso a meninas virgens dispostas a tudo, comida e bebida liberada.

Essa era a moeda de troca utilizada por Hasan ibn Sabbah com sua ordem de assassinos. Eles eram os mais puros da seita e por isso eram proibidos de casar ou ter relações afetivas. Isso viria ao cumprirem as suas missões, quando seriam levados ao paraíso. 

A história de Vladimir Bartol procura mostrar como o cara arquitetou todo o seu plano, desde a tomada de Alamute (uma fortaleza estratégica), conquistou seguidores com a fanfic sobre o paraíso e ampliou a sua área de influência onde hoje é o Irã, abalando as relações de poder daquela região. Parte dessas conquistas nos chega nos dias atuais com Ra's Al Ghul, do Batman (que embora não seja sobre o velho da montanha, tem muitas semelhanças: um homem poderoso na montanha com uma liga de assassinos) e “Assassin’s Creed Origins”, que foi buscar nessa história a referência para o jogo.



Sobre a experiência de leitura de "Alamut"


A Editora Morro Branco fez algo para o que muitos puristas poderiam torcer o nariz: ela modernizou o texto. Então, se você viu lá na capa que o livro é de 1939, retratando uma história que se passa no Irã do século XI, e pensou “Não é pra mim”, talvez essa informação te faça mudar de ideia. A leitura é muito fluida, a ponto até de esquecermos onde e quando aqueles fatos ocorreram.

Aqui eu deixo a minha crítica. O autor não ambienta muito bem a história, e essa atualização, tirou a história do contexto pra mim. Eu preferiria um texto mais classudo, diferença nas vozes dos personagens que têm origens diferentes e etc. Mas, fica mais fácil de ler e não foi uma experiência ruim, longe disso.

Em determinado momento da história, um professor começa a aula e a aluna mais nova fica se segurando para não rir. A gente fica sem entender até que pela conversa com as colegas, deduz-se que ele fala esquisito. Esse é o tipo de marca que não deveria ter se perdido, acredito eu.

Há ainda uma variação estranha na narrativa, às vezes parece realismo, absurdo, gritante, em outras parece que estamos lendo um conto de fadas. As motivações do “velho da montanha” são expressadas, para nós de 2022, de um modo meio infantil em algumas passagens. Lembra do pica-pau e seu delírio com dinheiro, mulheres, iates? Para mim, foi algo assim. 

Acho que faltou desenvolver melhor a formação dos assassinos, assim como problematizar a história paralela que se passa nos jardins. Outra questão que me incomodou um pouco foi a pressa em terminar a história. No início, os personagens e as situações nos são apresentados aos poucos, com uma riqueza de detalhes quase desnecessária. Depois, quando precisamos entender e queremos ver mais de como as coisas estão se desenrolando, ele apenas as cita, sendo bem superficial. 



E sim, precisamos problematizar

Alamut é uma história do tempo das cruzadas, que se passa no universo muçulmano e, mesmo tendo sido escrito tempos depois, em 1939, é claro que está cheio de passagens machistas. Incômodas, mas muito fáceis de entender. Apesar disso, senti falta de um texto de apoio, para que um jovem ao ler a obra, tenha uma dimensão desse e de outros problemas que o livro traz por ser datado.

Embora tenha as minhas ressalvas, recomendo muito esse livro, pois:

  • Ele nos tira do lugar comum, eurocentrista ou estadunidense.
  • Traz uma visão muito interessante sobre os muçulmanos, o que pode ajudar a desmistificar alguns estereótipos e preconceitos.
  • Tem uma crítica implícita sobre como pessoas numa posição de liderança costumam agir e pensar.
  • Faz uma crítica explícita ao cinismo de líderes que usam a fé alheia para manipular pessoas.


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Vale lembrar que Vladimir Bartol era branco, europeu, formado na Sorbonne, e tem, portanto, a visão de um cara privilegiado sobre essa história. Apesar disso, o período em que o livro foi escrito indica a crítica aos regimes totalitaristas e fascistas que estavam surgindo na época dele. 

Temos aí mais um ponto interessante para ler essa obra: o mundo estava uma loucura, e ele “preocupado” em contar uma história de outro tempo, em que tudo deu errado (para muita gente, leia o livro e entenda), por menosprezar esse “tipo” de liderança. Ele foi cirúrgico nesse paralelismo e entender esse contexto é importante para dar o devido valor à obra.

É por essa e por outras que recomendo a leitura desse que deveria estar lado a lado com clássicos como 1984, de George Orwell, por exemplo.


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