quinta-feira, agosto 26, 2021

Livros nacionais são tão bons quanto estrangeiros?

"Leiam mais nacionais, apoiem a literatura brasileira, o escritor nacional contemporâneo", essas são frases que ouvimos muito por aí quando se é leitor e divulgador de conteúdos literários. Mas, os livros nacionais são tão bons quanto os estrangeiros? Vou cavar a minha cova neste post? Leia esse texto até o fim e descubra! 




Há alguns anos comecei a escrever conteúdo para divulgação  de literatura. Inicialmente, a ideia foi registrar o que eu lia em resenhas bem pessoais para que eu guardasse melhor na memória o que estava lendo. Eu costumo esquecer muito rapidamente. Então comecei a explicar e falar na internet sobre as minhas leituras.

Esse "hábito" despertou o interesse de algumas pessoas, assim consegui seguidores e percebi um mercado gigantesco de escritores fazendo a divulgação dos seus livros. Os quais viram nesses meus canais uma oportunidade de ampliar o seu alcance. São muitos pedidos de leitura e revisão que recebo desde então. E neste post, vou tentar contar um pouco sobre essa experiência.


A experiência de ler livros escritos por brasileiros

Vou aqui descartar o óbvio, Clássicos da Literatura Brasileira são presentes do passado (olha que poético isso!), temos grandes nomes da literatura mundial por aqui, começando pelo nome que já deve estar latejando na sua cabeça: Machado de Assis. Ele é estudado no mundo inteiro, suas obras são perfeitas, para além da escrita. 

O autor fazia crítica social e construía suas histórias em camadas a serem desvendadas pelo leitor. Ele contava a história do Brasil nas entrelinhas, enquanto distraía o leitor com uma trama ficcional em primeiro plano. Fora do Brasil, os gringos consideram Machadão, como consideramos Dostoiéviski por aqui, só pra terem uma ideia.

Temos outros grandes nomes, como Rachel de Queiroz, Emília Freitas, Clarice Lispector (que embora seja ucraniana, é praticamente brasileira KKKK), Graciliano Ramos, Lygia Fagundes Telles, Moacyr Scliar, Cora Coralina, Carlos Drummond de Andrade e tantos outros. 

Ou seja, para os livros clássicos: Sim, livros nacionais são tão bons quanto os estrangeiros. Estou chamando de clássicos aqueles autores já consagrados, e que "pra mim" e para leitores comuns já se tornaram clássicos. Não estou seguindo o rigor do estudo literário no qual vários deles seriam considerados contemporâneos, é bom avisar.




E quanto à literatura brasileira atual? 

Sim, tem muitos autores que já conquistaram seu lugar ao sol, que seguem uma linha literária "profissional", com editores e editoras que fazem um trabalho impecável. É assim com Conceição Evaristo, Aline Bei, Daniel Galera, Raphael Montes, cujos livros deixam nada a desejar aos que vêm de fora (alerta de ironia: "nem parecem brasileiros"). 

A grande questão, acredito, é com os autores independentes. E nessa área, bem, foi aqui que a minha experiência foi traumática e contraditória.


Publicar um livro está muito fácil!

A facilidade de publicar um livro hoje é absurda. Qualquer pessoa, às vezes basta ter um celular, pode escrever uma história e publicá-la. Seja no formato digital, em plataformas gratuitas como o Wattpad, distribuição gratuita, ou na Amazon, cobrando preços simbólicos, ou livro impresso. 

Qualquer um pode mandar seu livro para uma gráfica e imprimir o número de cópias que desejar. Existem vários serviços para auxiliar na preparação do material, revisão, preparação de texto, editoração e etc para uma publicação independente de editoras. E a pessoa sempre pode simplesmente mandar o arquivo feito por ela para a gráfica imprimir. 

Esse livre acesso à publicação é muito positivo, porque não dependemos mais de agentes literários, não fica na mão das grandes editoras decidir que história será publicada ou não. Não há controle. Assim, histórias maravilhosas, bem desenvolvidas, com trabalhos de revisão impecáveis podem chegar na nossa mão. 

Esse livre acesso à publicação, por outro lado, é muito negativo, porque qualquer texto pode ser publicado, revisado ou não, de qualidade ou não, com problemas de estrutura, linguagem, adequação, divulgação de ideias imbecis... Não há controle.

A verdade é que o cenário da literatura independente é uma loteria! Tem livros excelentes, e livros que são ruins. Às vezes, por falta de cuidado e assessoria, revisão crítica ou ortográfica, um olhar profissional para aquele texto. 


Agora começam as contradições... Observe!

Eu acredito que todo livro tem o seu público. Existe também o direito da pessoa realizar o sonho de publicar as suas ideias, de ter um livro publicado e etc. Tem histórias, com tramas e cenas desnecessárias, ou mal contadas. Histórias que ofendem, discriminam, perpetuam preconceitos e costumes arbitrários, como o machismo ou a homofobia, padrões sociais já ultrapassados como o culto à beleza... 

Nesses casos, será que a pessoa tem direito de publicar também? É válido colocar um livro no "mercado" que presta desserviço à sociedade? 

O mundo sem sensura é bem esquisito. No momento em que todos têm direito a se expressar, pode um misógino, racista, homofóbico, gordofóbico, pra resumir: um escroto, escrever e publicar um livro com o texto que quiser, sem filtro? Pode-se ler um escrito desses e aplaudir porque ele domina a escrita, ou porque é nosso amigo, justificando que não fez por querer, passar pano para esses "detalhes" sórdidos? Eu não consigo.




Para mim, é aí que a falta de controle do que vai ser publicado peca e muito. Todo escritor deveria:

  • Ter consciência de que sua obra pode ter problemas e submetê-la para revisões;
  • Enviar seu livro para leitores betas avaliarem a história e considerar as avaliações;
  • Aceitar críticas de grupos sensíveis, verificar se não há ofensa a grupos sociais;
  • Submeter seu texto para revisão ortográfica para garantir que o leitor vai ter acesso a um texto escrito em língua portuguesa correta, já que uma das funções da leitura é consolidar o conhecimento do idioma;
  • Pesquisar sobre os temas que escreve para não incluir informações imprecisas ou incorretas no seu livro;
  • Preocupar-se com a coerência e relevância do material que está oferecendo ao público.

Li um grande número de livros e contos escritos por autores independentes. E notei que poucos se preocupam com os itens citados antes. Vários deles eu sequer fiz resenha:

  1. Porque não sei da realidade da pessoa, porque resolveu publicar o livro daquela forma;
  2. Por acreditar que falta assessoria, às vezes pode ser falta de dinheiro, para entregar um trabalho melhor;
  3. Para não dar palco para um livro que acredito que não deve ser publicizado.


A minha experiência com livros de escritores independentes

Já tive a oportunidade de fazer leituras betas e nunca cobrei por isso. Justamente por acreditar que o escritor independente tem dificuldades e custos demais, sem retorno sobre o investimento. Assim como eu, vários leitores se dispõem a ler e avaliar livros de autores independentes. Então, basta que o escritor se preocupe com isso, para que procure apoio para lançar seu trabalho da melhor forma possível.

Voltando à questão da resenha, não gosto da ideia de divulgar um livro que não julgo bom apenas para "apoiar" o escritor. Não que eu seja a dona da verdade, e por isso não resenho. Porque, não tenho conhecimento técnico para afirmar que um trabalho é realmente péssimo e desnecessário. 

E, porque, caso fosse dona da verdade, vamos supor, eu publicaria a resenha com as críticas necessárias e isso serviria para quê? O livro já está publicado, não há mais o que fazer. Poderia apenas ofender e desencorajar um escritor que talvez só não tenha recebido o suporte necessário. 

Por outro lado, se eu posto a resenha, isso é publicidade. Então minha forma de contribuir para não passar essa ideia ruim adiante é não divulgando o trabalho. Em alguns casos, converso com o autor e explico o que ele pode melhorar para as próximas publicações. 



Isso quer dizer que os livros nacionais independentes não são tão bons quanto os livros estrangeiros? 

Não sei! Nunca li um independente de outros países para fazer tal comparação.

O que posso afirmar é que tem muito livro de escritor independente que merece um lugar na sua estante. Livros muito bem escritos, desenvolvidos, ideias originais. Tão bons quanto livros publicados por grandes editoras. O que só reforça o talento do escritor, já que poucos deles recebem a mesma assessoria que um escritor contratado numa editora grande. 

Você deve estar se perguntando então...


Como encontrar livros nacionais tão bons quanto estrangeiros?

A resposta para essa pergunta é um pouco mais fácil de encontrar! Praticamente todas as plataformas de venda de livros contam com um sistema de avaliação. Então, ler o que os leitores daquela obra falam sobre o livro ajuda muito a entender se ele é bom, se vale a pena dar uma chance.

Outra dica são as plataformas de registro de leitura como Skoob e Goodreads. Lá os leitores registram a progressão da leitura, avaliam com notas e resenhas. Você consegue ver quantas pessoas já leram, comparar as avaliações e tirar as suas próprias conclusões.

Produtores de conteúdo que leem nacionais e postam suas opiniões nas redes sociais também são boas referências para entender se um livro é bom ou não. Procure mais de uma resenha do mesmo livro, se tiver a oportunidade, troque uma ideia com a pessoa e tire as suas conclusões. 


As avaliações de livros são confiáveis? Nem sempre, mas... 

Quando estiver em plataformas como Amazon, Skoob e etc. Procure por avaliações que deram menos estrelas e compare os argumentos destas com o das pessoas que só falaram bem do livro. É uma forma interessante de ver se as avaliações positivas são confiáveis.

Ao buscar as opiniões de produtores de conteúdo, observe se a leitura foi em parceria (o que pode prejudicar o “julgamento”), se as demais resenhas desse produtor costumam ser sinceras. Quando a pessoa nunca fala mal de livro nenhum, mesmo que não tenha lido em parceria, é difícil saber se ela está sendo sincera. 

Mas, existem algumas pistas que ajudam a entender melhor a avaliação. Às vezes, a pessoa não reclama de nada, mas indica só os pontos positivos, motivos para ler o livro. Se olhar as demais resenhas dele, pode encontrar mais emoção nas resenhas de livros que ela realmente gostou. Assim você vai conseguir “catar” nas entrelinhas o que não foi dito do livro que ela não gostou.

Por isso é bom buscar mais de uma opinião sobre o mesmo livro. Busque por resenhas negativas para comparar com as impressões positivas que as pessoas fizeram e decidir (de acordo com as suas percepções e interesses) se o livro vale a pena, fazendo um contraponto entre as opiniões que encontrou.

Como você pode perceber, essas dicas servem para verificar se vale a pena dar uma chance a qualquer livro. Não apenas de brasileiros, independentes ou não. Serve também para considerar a leitura daquele livro que estourou no hype e você ficou com vontade de ler.


Os livros nacionais são tão bons quanto os estrangeiros?

Voltando à questão central deste post, tentei aqui trazer pontos para ajudar a entender todo o cenário, que não é tão simples. Temos sempre que avaliar o contexto: são livros independentes ou lançados por editoras? São editoras grandes ou pequenas? Tem editora que sequer revisa o texto do autor, simplesmente editora e publica. Cobram somente para isso. 

Então, um livro publicado por editoras grandes, que fazem o "serviço completo", e aqui incluo uma tradução decente dos escritores estrangeiros, não vai ter muito erro de digitação ou ortografia, coerência, continuidade da história. E isso independe se o livro é de autor nacional ou estrangeiro.

Quando queremos avaliar se o livro é bom ou ruim "para nós", é uma questão pessoal. Neste caso, para saber, só lendo, ou buscando saber com quem já leu, se aquela obra é interessante, se tem elementos bem desenvolvidos, se é o tipo de livro que gostamos.


E as publicações independentes?

Quanto aos livros independentes, bem... De novo! Tem que ler pra saber ou buscar se informar. 

Vale lembrar que escritores independentes normalmente têm perfis em redes sociais, onde falam dos seus livros com bastante frequência. Assim, você pode seguir a pessoa, ver se se identifica com as ideias dela, ver o que ela divulga sobre o livro, conhecer a sua escrita pelos posts. E isso pode ser bem interessante para definir se vale a pena ou não dar uma chance para o livro dela.

Há também "editoras independentes" ou grupos, associações, de escritores de um determinado gênero. Como a Editora Draco, Minna Editora, ABERST (Associação brasileira dos escritores de romance policial, suspense e terror) ou a iniciativa SAIFERS BR (Autores independentes de Ficção Científica Nacional) saiba mais aqui, dentre outras, que estabelecem requisitos para um texto receber o seu selo.

Essas características também ajudam a identificar obras que tiveram cuidados com a publicação, revisões e todas aquelas etapas para melhorar a obra e garantir que tecnicamente ele seja de qualidade.




Livros nacionais ou estrangeiros? Não importa...

A conclusão para essa conversa toda é: num mundo em que a publicação é livre, o ideal é buscar as ferramentas disponíveis em meio a essa liberdade, para tentar garimpar boas obras e se divertir com a leitura. Tenha a mente aberta para "dar chance" ao livro nacional, tanto quanto ao estrangeiro. Mas, não faça disso uma religião.

Quando adentrar a este mundo e pesquisar por aí, você vai notar uma tentativa de "controle" da sua leitura. Textos e vídeos querendo desmerecer leitores que só leem estrangeiros, julgando que são despatriados, sem consciência de classe e outras merdas. Vejo muito disso em perfis de escritores brasileiros, que se sentem injustiçados frente à concorrência da literatura mundial já "consagrada".


Somos livres para ler o que quisermos

Veja bem! Somos livres para ler o que quisermos, aquilo que nos faz bem, que precisamos, ou seja lá porque motivo você lê. É legal apoiar a leitura nacional? É. Mas isso não é regra ou obrigação, cada um lê o que quer. Não se sinta intimidado por esses discursos. 



Ler best-sellers é bom, ler autores como Octavia E Butler, Stephen King, Margaret Atwood, Isaac Asimov, Ray Bradbury, Fiódor Dostoiévski, Haruki Murakami, Agatha Christie, [adicione aqui o seu autor favorito], é bom demais! E faz parte inclusive da formação de um leitor, ler um pouco de tudo para ter uma noção geral da literatura, poder comparar as obras, autores, gêneros, se descobrir enquanto leitor, ou passar a vida lendo a mesma coisa. Cada um sabe de si!

Nota maldosa: vejo escritores que só leem estrangeiros, essas são as suas referências para os seus escritos, pregando que nós "reles mortais" devemos ler livros nacionais e apoiar a literatura brasileira. Querem o quê? Que a gente consuma o que eles digeriram das grandes obras? 

Enfim... a hipocrisia!


E pra finalizar esse texto "monstro", apenas leia! 

Eu acredito que ler abre a mente, ajuda a esclarecer as ideias, é aprendizado, é intelectualmente enriquecedor, mas, acima de tudo, é diversão. Ler tem que ser prazeroso.


Fim!

=P

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