"Semente originária", de Octavia E Butler, surpreende pelo realismo dentro do mundo fantástico. E eu já explico que doideira é essa!
Um pouco sobre o perfil de Octavia E Butler
Toda ficção nos permite interpretações num processo subjetivo, certo? Na obra de Butler como um todo ela constrói universos ambíguos, que mostram a história de diferentes ângulos, o que nos faz analisar melhor aquela situação. Seus personagens são multifacetados e conseguimos amá-los e odiá-los, compreendê-los e enxergarmos a nossa realidade por meio das suas ações.
Octavia constroi camadas de significados, as quais vamos desvendando em leituras atentas e nas releituras.
Sobre a série O Padronista
"Semente originária" foi publicado pela Editora Morro Branco como o primeiro livro da série O padronista. A série Patternist (Patternmaster ou Seed to Harvest) é um grupo de romances escrito pela autora entre 1976 e 1984. A ordem de escrita e publicação foi essa:
- Patternmaster (1976)
- Mind of My Mind (1977) - Elos da mente (2022)
- Survivor (1978) - A Neófita (2024)
- Wild Seed (1980) - Semente originária (2021)
- Clay's Ark (1984) - A arca de Clay (2023)
Então porque a Morro resolveu começar a publicar pelo quarto livro e depois voltou para o segundo, que aleatoriedade é essa? Encontrei a resposta no site Stringfixer. Parece que Octavia E Butler, depois de publicar os cinco livros, repensou as publicações, renegou o “Survivor” e os reorganizou na ordem dos acontecimentos dos eventos nas histórias. Então a ordem atualizada ficou assim:
- Wild Seed (1980) - Semente originária (2021)
- Mind of My Mind (1977) - Elos da mente (2022)
- Clay's Ark (1984) - A Arca de Clay (2023)
- Survivor (1978) - A Neófita (2024)
- Patternmaster (1976)
A série “O padronista” é considerado o responsável por tornar Octavia conhecida como “A dama da ficção científica”. O que é muito curioso, já que “Semente originária” HOJE não seria considerada sci-fi. Eu o vejo como uma fantasia que flerta com o realismo, porque os personagens têm poderes inexplicáveis. O Padronista faz cruzamentos, esperando que a genética atue produzindo espécimes especiais, mas a origem dele, assim como a da semente, é mágica, de origem divina, um mistério. Como pode ser ficção científica?
Seja como for, a musa Octavia E Butler fez um trabalho incrível, digno de deixar de lado os rótulos, ler e se divertir.
Resenha de Semente originária
Em "Semente originária", Octavia E Butler colocou camada sobre camada numa história que incomoda por nos permitir traçar um paralelo com as diferentes realidades:
— O branco invadindo o continente africano com propósitos escusos;
— A ambiguidade/falha de caráter do ser humano que escraviza outros da espécie;
— A mulher na sociedade machista;
— A mulher negra na sociedade (machista), ela sendo um autora negra escrevendo essa história é outro perspectiva interessante de se analisar;
— O povo africano sendo levado do seu continente de origem;
— A vida num lugar que não é o seu;
— As escolhas que fazemos;
— Princípios versus dignidade versus sobrevivência;
Devo estar esquecendo de muitos outros pontos críticos que me fizeram parar a leitura e pensar sobre o que a autora estava tentando nos mostrar.
A verdade é que deve ter muito mais camadas que a minha condição de privilégio, ainda que mulher, sis, branca, com ensino superior, etc, não me deixa ver por completo.
E mesmo com as limitações esperadas, foi uma leitura nervosa!
A autora provoca reflexões sobre a condição da mulher nessa sociedade, a dificuldade da mulher negra chantageada e afastada do seu povo, as escolhas e concessões que a sua personagem precisa fazer... Que sequer são escolhas, já que não há liberdade. Aquele personagem perverso e tão necessário num mundo de escassez, as amarras que ele cria para prender a mulher.
É tudo tão angustiantes e bem construído, que me fez ficar ainda mais fã de Octavia E Butler, se é que isso é possível!
A história é um retrato da nossa realidade, uma pintura triste, que expõe a nossa sociedade a ponto de nos deixar envergonhados. Apesar disso, reafirma a força das mulheres. Só outra mulher pra entender que não está fácil viver nesse mundo.
Esse livro nos faz perceber que estamos fazendo muito, ainda que precisemos avançar mais. É triste, mas deixa um fio de esperança.
Mais um favorito de 2022. 😊
Octavia sendo p-e-r-f-e-i-t-a outra vez.
O segundo livro da série O Padronista é "Elos da mente", vai ser a minha próxima leitura, o terceiro "A arca de Clay" está na fila para ser lido, e já saiu o quarto livro da série "A Neófita".
Obrigada a Editora Morro Branco por apostar na Octavia E Butler e seguir trazendo esses livros incríveis para o Brasil!