quarta-feira, outubro 05, 2022

Resenha | Licor de dente de leão, de Ray Bradbury

 O livro "O vinho da alegria", também conhecido como “Licor de dente de leão” é o meu livro favorito de Ray Bradbury, por enquanto. Ainda tenho que conhecer outras obras dele, mas este… Ganhou meu coração.



Sinopse de “Licor de dente de leão”

Para a maioria das pessoas pode ser óbvio, mas será que elas já se perguntaram se estão realmente vivas? Essa questão é o ponto de partida do memorável romance de Ray Bradbury e o momento que marcou o início do verão de 1928 na vida do protagonista Douglas Spaulding, de doze anos. Na cidadezinha de Green Town, no interior dos Estados Unidos, alguns personagens extraordinários se unem nesse verão tão especial na vida de Douglas: o inventor que redescobriu os prazeres da vida ao construir a Máquina da Felicidade; o jovem repórter que se apaixonou por uma idosa de 95 anos; o contador de histórias que conseguiu falar com o passado telefonando para um lugar distante.


Resenha de “Licor de dente de leão”, de Ray Bradbury

Sempre que via pessoas falando do seu livro favorito da vida ficava me perguntando “como conseguem escolher?”. Ao terminar “Licor de dente de leão”, fiquei perplexa. Fechei o livro e fiquei olhando a paisagem feia que tenho da janela do meu quarto. 

Então fiquei pensando porque parava tanto para olhar por aquela janela? O vento balançando as folhas das árvores e os passarinhos passando de um lado para o outro me fizeram lembrar que a gente tende a guardar a paisagem que quer. A minha vista tem seu lado feio, mas também tem os bonitos.

E não é assim que a vida é? Não teria chegado a essa conclusão sem a ajuda de Ray e seu "Licor de dente de leão". Pelo menos não nesse momento.

O que Bradbury fez foi uma máquina do tempo, em forma de livro, abastecida com as palavras certas. Nele revivi meu passado por meio da infância daqueles meninos correndo pelos campos de uma cidadezinha qualquer no Illinois. As lembranças que ele suscita são as mais doces, o lado bom da infância. 


Ele me fez pensar na adulta que sou hoje, ao conversar com uma criança, e ver nela as minhas histórias. Assim como os adultos do livro, olham para as crianças. A estória traz adultos de diferentes personalidades, cada um encontrando o seu jeito de lidar com a transformação causada pelo tempo. 


"É privilégio dos velhos dar a impressão de saberem de tudo. Mas é uma incenação, uma máscara, como todas as outras incenações e máscaras."


Ray também nos leva para o futuro e nos faz pensar sobre a velhice. Tão temida, tão terrível, acabando com a nossa jovialidade, beleza e disposição. Será? Nunca vi um autor lidando com esta temática de forma tão acolhedora, sincera e bonita. Dá um quentinho no coração só de lembrar, e aquela vontade de ler tudo de novo.


"A primeira coisa que você aprende na vida é que é um tolo. A última coisa que você aprende na vida é que é o mesmo tolo."


É uma leitura transformadora. Saí diferente dela e sei que não vou conseguir descrever tudo que senti com essa pseudo resenha. Deixo aqui o convite, conheçam, leiam, Ray Bradbury, Licor de dente de leão. É demais!

E pra encerrar, um dos meus quotes favoritos, porque parece que Ray me conheceu e eu nem sabia:

"Algumas pessoas ficam tristes incrivelente jovens. Por nenhum motivo, ao que parece, parecem quase nascer assim. Elas se machucam mais fácil, se cansam mais rápido, choram mais prontamente, se lembram por mais tempo e, como eu digo, ficam mais tristes mais jovens que qualquer outra pessoa no mundo."


Outra dica: esse livro foi lançado há muitos anos com o título "O vinho da alegria" e ainda é possível encontrá-los nos sebos com um preço muito bom!

Mas, se você prefere comprar o livro na edição nova, na Amazon, o link está aí, basta clicar na imagem. 

 

=P

terça-feira, setembro 27, 2022

Resenha | O último homem, de Mary Shelley

 "O último homem", de Mary Shelley não deve ser lido como "Frankenstein", é uma obra completamente diferente. Embora título e sinopse indiquem uma distopia, é um livro clássico, um romance de costumes, antes de qualquer rótulo.



Sinto falta de dois pontos para chamar “O último homem” de distopia 


1- A causa (doença) ter uma linha alternativa. Quem tomou a decisão que levou a humanidade para aquele caminho distópico? Porque é uma doença e a deterioração é natural pela falta de conhecimento da época, como foi com a peste. O desenvolvimento da estória se dá como em qualquer outro romance realista da época.

 

2- O outro ponto é a falta de crítica social que normalmente acompanha essa decisão que leva a sociedade ou o mundo para o caminho errado. Talvez se ela usasse a guerra como o problema que alastrou a doença e/ou que impediu uma busca pela cura, ficaria mais próximo do gênero distopia como o conhecemos hoje.


Então “não é uma distopia”, mas pode ser considerado um rascunho de um novo gênero, já que ela olha para o futuro e não o imagina como uma utopia, como acontece em “O mundo resplandecente” de Margaret Cavendish.


Se defendo logo de início que não se tratada de um distopia é somente para afastar aqueles leitores que por ventura imaginem que a estória tem qualquer relação com as distopias contemporâneas.





Minhas impressões sobre “O último homem”


O texto classudo de Mary Shelley foi muito bem traduzido por Jana Bianchi, apesar disso, por se passar num futuro distante, 2097, porém observado/criado a partir de um passado tão distante de nós, gera uma dificuldade de conexão com a história. Acredito que por isso a uma resenha que li tenha o título de "pior livro". Não é.


Trata-se de um livro de texto antigo que precisa ser situado no seu tempo. A partir do momento em que se observa esse detalhe tudo fica mais fácil. 


Acompanhamos a história de vida de Lionel Verney, que teve a sua infância, e a de sua irmã, prejudicada com a morte do pai. Este tinha um vínculo com o rei que abandonou a família à sua própria sorte. Os irmãos acabam órfãos e Verney desenvolve um ódio à família real. 


Esse é o ponto de partida e muita água passa por debaixo dessa ponte até o final do romance, que prega algumas ideias sobre o amor, a amizade e o sentido da vida. 





É um texto gostoso de ler. O protagonista conta a sua história de vida, dos seus familiares e amigos. Tem os dramas da época com romances românticos, costumes da vida aristocrata, decadência política, fim da monarquia, valores e etc. Tem momentos mais monótonos como todo romance longo e antigo, mas os bons momentos prevalecem.


Indicado para quem gosta de ler e não para quem só quer saber o fim da história, como todo bom romance clássico.



=P


quinta-feira, setembro 22, 2022

Resenha | Salmo para um robô peregrino, de Becky Chambers

 Escrever uma resenha de “Salmo para um robô peregrino”, de Becky Chambers, é uma missão complicada. Pra resumir em uma frase: Perfeito como tudo que Becky Chambers escreve!


É uma novela rápida de ler, mas de uma profundidade sem igual. A dificuldade em falar sobre a leitura é justamente essa. Sempre que leio a Becky termino emocionada, pensativa, e não sei como traduzir o que senti em palavras para que outras pessoas entendam. Meus comentários costumam ser “leia!”. Aqui vou tentar fazer um pouco melhor do que isso!


Resenha de “Salmo para um robô peregrino”, de Becky Chambers

Conforme mergulhamos na história vamos conhecendo  a vida dos personagens centrais, o humano Irme Dex e robô, Chapéu de Musgo. Aprendemos com eles sobre suas vidas, universos, temores e anseios. Parece tão simples, mas é carregado de detalhes e sutilezas que vão nos tocando e nos fazendo compreender a beleza daquela simplicidade.

Isso acontece, por exemplo, com a profissão que Irme Dex resolve seguir para mudar de vida. É um detalhe na estória, na verdade o que a coloca em movimento. Mesmo assim é linda e cativante. Outro ponto bonitinho é a história dos nomes dos robôs, que diz tanto sobre aquela forma de existir. Como todo texto de Becky Chambers, nada ali está por acaso. Cada palavra, cada frase, ação ou pensamento, vão se somando poeticamente e nos fornecem uma experiência incrível.


Becky escreveu a sua história de robôs!

Descobrimos com essa leitura que não somos tão diferentes assim dos nossos "amigos de lata", ou melhor, que eles não são tão diferentes de nós, humanos. E eles estão numa posição intelectual muito interessante. Chapéu de Musgo é aquele tipo de personagem que sabe fazer as perguntas certas.

Becky coloca a sua história de robô no hall das melhores de ficção científica, é impossível não lembrar de Asimov. Seus robôs são perfeitos, apesar de terem sido criados por nós (seres tão imperfeitos), encontraram o equilíbrio. Mesmo tendo sido dispensados e afastados de nós, por não serem humanos, não guardam rancor. Pelo contrário, querem saber como podem nos ajudar. 

Mesmo a visão sobre a humanidade traz um pouco de esperança. Não somos mais os vilões imbecis, embora ainda não estejamos à altura dos robôs. Sem arrogância, é uma constatação. De forma muito sensível, estilo da autora, reconhecemos nossas falhas como seres humanos e enxergamos como poderíamos ser melhores. 




Vai ter linguagem neutra SIM!

Uma característica importante desse livro é a tradução de Fábio Fernandes, apoiada pela Morro Branco (obrigada!), na qual ele procura ser o mais fiel possível a linguagem neutra, escolhida pela autora. Se você estiver atento a essa resenha, viu ali um “Irme Dex”, que é a versão neutra de “irmão”. 

Sempre que a autora se refere a esse personagem, usa linguagem neutra, que é bem mais fácil no inglês. Então o desafio do tradutor foi grande, mas ele fez tudo direitinho. Quando li que seria assim, me preparei para uma linguagem difícil, não é. Achei muito fluído e natural, me fez inclusive mudar a impressão de que essa inserção na língua portuguesa seria complicada. Difícil mesmo é vencer o preconceito, a língua não será uma barreira. Ponto!


A escrita de Becky Chambers

Para quem nunca leu Becky Chambers, ou não teve muito sucesso na primeira tentativa, fica aqui uma dica: tente se conectar com a história que ela nos conta. É um tipo de escrita acolhedora, porém contemplativa, que exige o nosso comprometimento. Um esforço mínimo de abrir a mente e o coração, em troca de uma experiência fantástica. Acho que vale muito a pena!

Ela sempre fala de tudo que é importante para a sua história, então, se ficar achando que alguma coisa foi “jogada” ou “mal explicada”, vale a pena reler esses trechos e tentar entender qual a mensagem que ela quis nos passar.

Clique aqui para ler a mini bio da autora!


Caso não tenha ficado clara a minha opinião: leia “Salmo para um robô peregrino”, de Becky Chambers. E vale dizer que ele é o primeiro de uma série. A certeza de que ainda vem muita coisa boa pela frente.

Aproveito para agradecer à Morro Branco, esse livro me foi enviado pela nossa parceria (de milhões!). Que venham mais Becky, mais ficção científica!


Assista ao reels que publiquei no Instagram!




sexta-feira, julho 29, 2022

Resenha | Semente originária, de Octavia E Butler

"Semente originária", de Octavia E Butler, surpreende pelo realismo dentro do mundo fantástico. E eu já explico que doideira é essa!



Um pouco sobre o perfil de Octavia E Butler

Toda ficção nos permite interpretações num processo subjetivo, certo? Na obra de Butler como um todo ela constrói universos ambíguos, que mostram a história de diferentes ângulos, o que nos faz analisar melhor aquela situação. Seus personagens são multifacetados e conseguimos amá-los e odiá-los, compreendê-los e enxergarmos a nossa realidade por meio das suas ações.

Octavia constroi camadas de significados, as quais vamos desvendando em leituras atentas e nas releituras. 


Sobre a série O Padronista

"Semente originária" foi publicado pela Editora Morro Branco como o primeiro livro da série O padronista. A série Patternist (Patternmaster ou Seed to Harvest) é um grupo de romances escrito pela autora entre 1976 e 1984. A ordem de escrita e publicação foi essa:

  1. Patternmaster (1976)
  2. Mind of My Mind (1977) - Elos da mente (2022) 
  3. Survivor (1978) -  A Neófita (2024)
  4. Wild Seed (1980) - Semente originária (2021) 
  5. Clay's Ark (1984) - A arca de Clay (2023)

Então porque a Morro resolveu começar a publicar pelo quarto livro e depois voltou para o segundo, que aleatoriedade é essa? Encontrei a resposta no site Stringfixer. Parece que Octavia E Butler, depois de publicar os cinco livros, repensou as publicações, renegou o “Survivor” e os reorganizou na ordem dos acontecimentos dos eventos nas histórias. Então a ordem atualizada ficou assim:

  1. Wild Seed (1980) - Semente originária (2021) 
  2. Mind of My Mind (1977) - Elos da mente (2022) 
  3. Clay's Ark (1984) - A Arca de Clay (2023)
  4. Survivor (1978) - A Neófita (2024)
  5. Patternmaster (1976)

A série “O padronista” é considerado o responsável por tornar Octavia conhecida como “A dama da ficção científica”. O que é muito curioso, já que “Semente originária” HOJE não seria considerada sci-fi. Eu o vejo como uma fantasia que flerta com o realismo, porque os personagens têm poderes inexplicáveis. O Padronista faz cruzamentos, esperando que a genética atue produzindo espécimes especiais, mas a origem dele, assim como a da semente, é mágica, de origem divina, um mistério. Como pode ser ficção científica?

Seja como for, a musa Octavia E Butler fez um trabalho incrível, digno de deixar de lado os rótulos, ler e se divertir.



Resenha de Semente originária

Em "Semente originária", Octavia E Butler colocou camada sobre camada numa história que incomoda por nos permitir traçar um paralelo com as diferentes realidades:

— O branco invadindo o continente africano com propósitos escusos;

—  A ambiguidade/falha de caráter do ser humano que escraviza outros da espécie;

— A mulher na sociedade machista;

— A mulher negra na sociedade (machista), ela sendo um autora negra escrevendo essa história é outro perspectiva interessante de se analisar;

— O povo africano sendo levado do seu continente de origem;

— A vida num lugar que não é o seu;

— As escolhas que fazemos;

— Princípios versus dignidade versus sobrevivência;

Devo estar esquecendo de muitos outros pontos críticos que me fizeram parar a leitura e pensar sobre o que a autora estava tentando nos mostrar.

A verdade é que deve ter muito mais camadas que a minha condição de privilégio, ainda que mulher, sis, branca, com ensino superior, etc, não me deixa ver por completo.

E mesmo com as limitações esperadas, foi uma leitura nervosa!




A autora provoca reflexões sobre a condição da mulher nessa sociedade, a dificuldade da mulher negra chantageada e afastada do seu povo, as escolhas e concessões que a sua personagem precisa fazer... Que sequer são escolhas, já que não há liberdade. Aquele personagem perverso e tão necessário num mundo de escassez, as amarras que ele cria para prender a mulher. 

É tudo tão angustiantes e bem construído, que me fez ficar ainda mais fã de Octavia E Butler, se é que isso é possível! 

A história é um retrato da nossa realidade, uma pintura triste, que expõe a nossa sociedade a ponto de nos deixar envergonhados. Apesar disso, reafirma a força das mulheres. Só outra mulher pra entender que não está fácil viver nesse mundo.

Esse livro nos faz perceber que estamos fazendo muito, ainda que precisemos avançar mais. É triste, mas deixa um fio de esperança.


Mais um favorito de 2022. 😊





Octavia sendo p-e-r-f-e-i-t-a outra vez.

O segundo livro da série O Padronista é "Elos da mente", vai ser a minha próxima leitura, o terceiro "A arca de Clay" está na fila para ser lido, e já saiu o quarto livro da série "A Neófita".

Obrigada a Editora Morro Branco por apostar na Octavia E Butler e seguir trazendo esses livros incríveis para o Brasil! 

quarta-feira, junho 15, 2022

Resenha | O coração é o último a morrer, de Margaret Atwood

Sabe o que é? Compreender Margaret às vezes requer mais do que empatia.

Terminada a leitura de “O coração é o último a morrer”, de Margaret Atwood, fiquei me perguntando “qual o ponto” que ela queria tocar. Porque sempre tem esse “porém” em seus escritos. Eles são feitos para refletirmos sobre alguma coisa. E para chegar aonde quero, vou abandonar “O coração é o último a morrer” e dar uma voltinha pelo "O Conto da aia".


"O coração é o último a morrer", de Margaret Atwood, foi lançado em 2015 nos EUA, publicado no Brasil pela Editora Rocco, em 2022.


Sempre que vejo algum comentário sobre o “O conto da Aia”, um dos livros mais famosos da autora, eu sempre paro para ler/ouvir. É um livro com camadas e mais camadas de significados e sempre capto algum detalhe a mais. Mesmo quando a pessoa diz não ter gostado da leitura. Aliás, às vezes, esse tipo de resenha é o que mais revela a que o livro se propõe.


Margaret Atwood e o feminismo

Margaret Atwood é uma mulher interessada incluir o patriarcado como parte da crítica social (afinal metade da população sofre com isso). Seus livros abordam questões feministas nos são caras, como o nosso direito à liberdade, por exemplo. Uma caminhada difícil vem sendo trilhada há muitos séculos e pouco foi conquistado. O que ela tenta nos mostrar é como essas poucas conquistas são frágeis, sim, mas que a situação pode ser ainda pior, porque não foram vitórias de fato, recebemos algumas migalhas. 

Uma vez, conversando com a Rafa, do @VegasBookBlog, ela fez um comentário sobre as histórias de Margaret Atwood que mudou a minha percepção sobre as obras da autora. Ela disse algo assim: "Margaret escreve sobre coisas que estão acontecendo”. Ou seja, tudo que se lê nos livros dela está acontecendo com alguém em algum lugar do mundo. 

Ao pensas sobre isso… Lembra de “O conto da Aia”, e de "Os Testamentos"? Dá um nervoso pensar que todo aquele universo hostil existe, não dá? Se você disse que não, provavelmente não é mulher, não tem noção do que a maioria delas passam, mesmo em 2022, é tão privilegiada que sente que isso não é com você ou pouco se importa com elas (é misógino que chama né?). 


Por isso acho que se identificar, ou perceber o que Margaret quer dizer, vai além de sentir empatia. Às vezes, a mensagem não é pra quem está lendo, por um motivo ou por outro. E se você não gostou, não entendeu ou achou inverossímil, vale fazer umas pesquisas no google, conversar com outras pessoas, e rever os seus conceitos. E só então, retornar à resenha de "O coração é o último a morrer".


Sinopse e impressões sobre "O Coração é o último a morrer"

É quando volto para “O Coração é o último a morrer”, uma história aparentemente banal. Um casal, Charmaine e Stan, vive nos Estados Unidos, o país está arrasado por uma crise econômica, num cenário de desemprego que desencadeia, para a classe trabalhadora (é claro!), a perda de moradia, da segurança e da dignidade. 

Esse casal então busca no Projeto Positron, uma oferta de emprego, moradia e segurança em troca da sua "liberdade" (qual liberdade?). Eles precisam assinar um termo aceitando viver para sempre num condomínio fechado, onde estarão isolados do mundo. Para quem estava vivendo dentro de um carro, sem banho, lutando para conquistar a próxima refeição, a proposta parece absurda, porque não aceitariam?, e eles ficam tentando entender o que tem por trás disso. Qual é a pegadinha? Mas, mesmo assim, concordam com os termos e se mudam para lá.

A vida é realmente agradável em Consilience, o tal condomínio do projeto, e tudo parece perfeito. Em pouco tempo eles se adaptam e seus problemas passam a ser a cor das cortinas e outras futilidades. Eles chegam a esquecer a vida que tiveram do lado de fora, das pessoas que deixaram para trás e, claro, temem perder as regalias conquistadas.

E se você aí que está lendo essa resenha está ligado no que acontece no mundo, já sabe onde está o plot, qual o problema e porque esse livro está classificado como uma “Distopia”. É um futuro muito próximo, embora tenham robôs inteligentes. Mas, será que se trata de um futuro?



O marcador do livro traz a pergunta “Quanto vale a liberdade?” e a resposta não é fácil, mas, ao ler esse livro e pensar sobre essa questão levando em consideração o mundo a nossa volta… Algumas reflexões são provocadas. Que liberdade?

Pesquisa no Google “população de rua nos estados unidos”, no Brasil, em São Paulo, na tua cidade, caso não seja paulista… Estima-se que a população em  situação de rua em Porto Alegre seja superior a 3 mil. 

O desemprego no Brasil já atinge mais de 11 milhões de pessoas, sem levar em consideração o subemprego e as pessoas que desistiram de procurar trabalho. 75 milhões de brasileiros estão vivendo com meio salário mínimo, ou menos, e buscando doações para não passar fome. Pessoas que estão a ponto de perderem suas moradias e irem viver nas ruas.

Volta e meia há denúncias dessas pessoas alegando violência por parte do poder público para retirá-las da nossa vista, da vista de quem mora em bairros “nobres”. Enquanto escrevo este post, tem uma ocupação em Palhoça - SC, sendo despejada, saiba mais sobre a ocupação Marigella aqui

Ou seja, os protagonistas de “O coração é o último a morrer” não só existem, como estão entre nós, circulando pelas ruas, só o que falta é um burguês safado achar um jeito ainda melhor de lucrar com essa mão de obra abundante, tirando essa "gente suja" das ruas e assim, agradando a todos. 


Percebem a ironia presente nessa obra? 

Falar em liberdade no sistema capitalista onde a maior parte das pessoas é classe trabalhadora e não tem liberdade alguma. Lançar uma “distopia” que relata fatos de um futuro próximo que, na verdade, já faz parte do presente? É com esse olhar que se deve “ler” esse livro e pensar sobre tudo que acontece na história, cada detalhe dela.

O que somos nós, dentro das nossas casas, nesse inverno reclamando do frio? O que somos nós, classe trabalhadora, se não escravos deste sistema que nos aprisiona, que nos faz vender nossa força de trabalho por qualquer centavo, que nos faz aceitar todas as suas contradições e torcer todos os dias para não se tornar aquele ser estranho lá da rua, o desempregado, o pobre coitado? Como é que vamos julgar Charmaine e Stan, ou não ironizar essa ideia de Margaret Atwood de que temos escolha? Quem somos nós?

Mas a musa não para por aí. Ela também aproveita a sua “pseudo-distopia” para nos falar sobre relacionamentos, machismo, masculinidade tóxica e ainda nos dá, para nós mulheres, uma personagem FODA! Que faz o macho de trouxa, que domina quem acha que está dominando, cria uma situação extremamente desconfortável para o macho. Eu só percebi porque sou mulher e vejo isso acontecer TODO SANTO DIA. Sabe? Margaret Atwood é perfeita.

Na contra-capa há alguns comentários sobre a "moral" da história estar relacionada a "pessoas boas presas, pessoas más, livres", mas, pra mim, essa história vai muito além disso.


Para concluir...

A leitura foi boa, o impacto foi forte e ainda estou refletindo sobre o final. O qual parece simplório demais e um pouco bobo à primeira vista. Mas, Margaret guarda para as últimas linhas o plot final, para nos incomodar. Nem final sórdido, nem agri-doce. Volta e lê tudo de novo, acho que você ainda não entendeu! É o que ela parece nos dizer… Perfeita, até a última linha!

Enfim… Se nada do que disse aqui fez sentido para você, se ainda acha que não vale a pena ler a musa, "sorte a sua"! Leia mesmo assim, como uma distopia futurista, com uma sociedade doente, robôs, Elvis e Merlins.



segunda-feira, junho 06, 2022

Resenha | Alamut, de Vladimir Bartol

 Sabe o que é? Você só sabe que “assassino” é assassino, por causa de Alamut. Na verdade não é bem isso, mas calma que eu explico, ou tento explicar!




Resenha | Alamut, de Vladimir Bartol

“Alamut”, de Vladimir Bartol, é a versão do autor para a história de Hasan ibn Sabbah, conhecido como “o velho da montanha”. Esse cara criou a “ordem dos assassinos” no século XI. Uma divisão de elite, e suicida, do exército que ele forma para proteger os Ismaelitas e claro, ampliar a influência dessa “divisão” religiosa entre os muçulmanos xiitas.

Eu poderia parar essa resenha por aqui e isso já seria motivo de sobra pra alguém ler o livro. Essa “ordem dos assassinos” foi o que deu origem ao que hoje conhecemos como "assassinos", a origem da palavra veio do haxxīxīn 'consumidor de haxixe' < persa hassassin 'designação da seita do Norte do Irã que, nas Cruzadas, consumia a erva, antes de lutar'. 

E aqui a gente entra numa outra questão importante, que é o fato de essa galera ter sido formada ali em meio às perturbações e conflitos gerados pelas cruzadas. No livro acompanhamos apenas a ascensão dos Ismaelitas por meio do “velho” que se dizia indicado por Alá, o qual teria lhe entregado as chaves do paraíso.

Com esse “poder”, ele é capaz de decidir quem levar (homens vivos ou mortos) para os jardins paradisíacos e as suas Huris. O que significava acesso a meninas virgens dispostas a tudo, comida e bebida liberada.

Essa era a moeda de troca utilizada por Hasan ibn Sabbah com sua ordem de assassinos. Eles eram os mais puros da seita e por isso eram proibidos de casar ou ter relações afetivas. Isso viria ao cumprirem as suas missões, quando seriam levados ao paraíso. 

A história de Vladimir Bartol procura mostrar como o cara arquitetou todo o seu plano, desde a tomada de Alamute (uma fortaleza estratégica), conquistou seguidores com a fanfic sobre o paraíso e ampliou a sua área de influência onde hoje é o Irã, abalando as relações de poder daquela região. Parte dessas conquistas nos chega nos dias atuais com Ra's Al Ghul, do Batman (que embora não seja sobre o velho da montanha, tem muitas semelhanças: um homem poderoso na montanha com uma liga de assassinos) e “Assassin’s Creed Origins”, que foi buscar nessa história a referência para o jogo.



Sobre a experiência de leitura de "Alamut"


A Editora Morro Branco fez algo para o que muitos puristas poderiam torcer o nariz: ela modernizou o texto. Então, se você viu lá na capa que o livro é de 1939, retratando uma história que se passa no Irã do século XI, e pensou “Não é pra mim”, talvez essa informação te faça mudar de ideia. A leitura é muito fluida, a ponto até de esquecermos onde e quando aqueles fatos ocorreram.

Aqui eu deixo a minha crítica. O autor não ambienta muito bem a história, e essa atualização, tirou a história do contexto pra mim. Eu preferiria um texto mais classudo, diferença nas vozes dos personagens que têm origens diferentes e etc. Mas, fica mais fácil de ler e não foi uma experiência ruim, longe disso.

Em determinado momento da história, um professor começa a aula e a aluna mais nova fica se segurando para não rir. A gente fica sem entender até que pela conversa com as colegas, deduz-se que ele fala esquisito. Esse é o tipo de marca que não deveria ter se perdido, acredito eu.

Há ainda uma variação estranha na narrativa, às vezes parece realismo, absurdo, gritante, em outras parece que estamos lendo um conto de fadas. As motivações do “velho da montanha” são expressadas, para nós de 2022, de um modo meio infantil em algumas passagens. Lembra do pica-pau e seu delírio com dinheiro, mulheres, iates? Para mim, foi algo assim. 

Acho que faltou desenvolver melhor a formação dos assassinos, assim como problematizar a história paralela que se passa nos jardins. Outra questão que me incomodou um pouco foi a pressa em terminar a história. No início, os personagens e as situações nos são apresentados aos poucos, com uma riqueza de detalhes quase desnecessária. Depois, quando precisamos entender e queremos ver mais de como as coisas estão se desenrolando, ele apenas as cita, sendo bem superficial. 



E sim, precisamos problematizar

Alamut é uma história do tempo das cruzadas, que se passa no universo muçulmano e, mesmo tendo sido escrito tempos depois, em 1939, é claro que está cheio de passagens machistas. Incômodas, mas muito fáceis de entender. Apesar disso, senti falta de um texto de apoio, para que um jovem ao ler a obra, tenha uma dimensão desse e de outros problemas que o livro traz por ser datado.

Embora tenha as minhas ressalvas, recomendo muito esse livro, pois:

  • Ele nos tira do lugar comum, eurocentrista ou estadunidense.
  • Traz uma visão muito interessante sobre os muçulmanos, o que pode ajudar a desmistificar alguns estereótipos e preconceitos.
  • Tem uma crítica implícita sobre como pessoas numa posição de liderança costumam agir e pensar.
  • Faz uma crítica explícita ao cinismo de líderes que usam a fé alheia para manipular pessoas.


Acompanhe meu diário de leitura nos destaques do Instagram @blogsabeoque


Vale lembrar que Vladimir Bartol era branco, europeu, formado na Sorbonne, e tem, portanto, a visão de um cara privilegiado sobre essa história. Apesar disso, o período em que o livro foi escrito indica a crítica aos regimes totalitaristas e fascistas que estavam surgindo na época dele. 

Temos aí mais um ponto interessante para ler essa obra: o mundo estava uma loucura, e ele “preocupado” em contar uma história de outro tempo, em que tudo deu errado (para muita gente, leia o livro e entenda), por menosprezar esse “tipo” de liderança. Ele foi cirúrgico nesse paralelismo e entender esse contexto é importante para dar o devido valor à obra.

É por essa e por outras que recomendo a leitura desse que deveria estar lado a lado com clássicos como 1984, de George Orwell, por exemplo.


sexta-feira, maio 27, 2022

Resenha de "Babel-17" e "Estrela Imperial", de Samuel R. Delany

 Sabe o que é? Ficção científica nas ciências humanas é emocionante. "Babel-17", de Samuel R. Delany, é diferente de tudo que estamos acostumados a ler. O autor foi ousado e acredito que pague o preço ficando meio "mal falado". Já explico!




Se você buscar resenhas, vai encontrar muita gente que não gostou ou considerou o livro muito difícil e o abandonou… É um texto que exige atenção e envolvimento do leitor. Às vezes, eu voltava algumas páginas para verificar se estava entendendo o que lia. Mas, a leitura atenta é o bastante, e para quem persiste, muito prazerosa.


Babel-17, além de um sci-fizão (ficção científica de qualidade inigualável, leia mais aqui) com viagens interestelares, uma guerra entre mundos de diferentes setores da galáxia e um mix de civilizações, acompanhamos o trabalho da Dra. Wong que precisa “decodificar” um idioma, que os caras nem sabiam que era um idioma até ela lhes dizer isso.



Uma protagonista per-fei-ta!


Wong é uma protagonista incrível. É a especialista que todos procuram quando ninguém mais consegue resolver um puzzle. Além disso, devido a sua facilidade com idiomas, é uma excelente líder no comando de tripulações, o que descobrimos quando ela reúne os profissionais de que precisa para sair em busca de respostas em sua “própria” nave.




O ponto central da história é o trabalho de decodificar o Babel-17. Um idioma que perturba Wong, não apenas pela dificuldade. É aqui que o autor ousou mais. Ele coloca o leitor para perceber as nuances desses códigos junto com a protagonista. O sistema de escrita é alterado, ela vai experimentando, estranhando e descobrindo Babel-17 e é como se estivéssemos dentro do seu cérebro.


É confuso? Sim. Mas é brilhante ao mesmo tempo. Eu nunca tinha lido nada igual e achei perfeito. Quando o plot se aproxima e a gente entende o que estava acontecendo, dá vontade de voltar e ler o livro todo de novo para “pescar” alguma outra pista que talvez tenhamos deixado para trás.


Esse é o tipo de criação que mais me agrada na literatura fantástica. O autor conseguiu criar algo único, que parece complexo por ser inovador, sim, ele inventa uma forma de narrativa que mexe com as nossas mentes! 


E ele não para por aí. O livro tem “dois lados” literalmente. Na outra ponta temos “Estrela Imperial”.



Estrela imperial é uma loucura! 🤯


Samuel R. Delany fez algo tão inusitado nesse livro, que fico sem saber por onde começar. Principalmente quando quero falar de "Estrela imperial", separado do “Babel-17”, embora eles nos sejam entregues “juntos”. Já adianto que há uma conexão entre eles. O livro “Estrela Imperial” é citado pelos personagens, como literatura mesmo.



Enredo de “Estrela Imperial”


Cometa Jo vive numa região afastada da galáxia. O seu planeta é responsável pela produção de jhup. Uma commodity (não achei um sinônimo melhor), que serve de nada no planeta dele, mas que é usada como liga na fabricação de plástico galáxia afora. A relação com esse produto é tão estranha, que usam o nome como "palavrão". É mais ou menos como a gente deveria falar de “soja” no Brasil.



Cometa é descrito como "simplexo". Nesse universo existem os simplexos, complexos e multiplexos. Que são, aparentemente, níveis de reflexão e profundidade de consciência a que uma pessoa pode chegar. A explicação é dada por exemplos ao longo da história, e vai ficando mais clara para o leitor.


A demora no entendimento me fez refletir muito, será que eu sou simplexa por isso? Mas, daí descobri que fazer perguntas já é sinal de complexo... A coisa segue mais ou menos essa linha.


A jornada do personagem começa quando ele recebe uma "gema" que carrega uma mensagem a ser entregue na "Estrela imperial", o centro de poder da galáxia. As pessoas que ele encontra a partir dali vão dando a noção de que ele é ingênuo demais. Inclusive, uma dessas pessoas explica que ao sair do planeta, ele nunca mais será o mesmo, que precisa avaliar bem essa decisão.


E esse tom de "fábula" me deixou um pouco com preguiça da história. Ele parece um personagem da Disney, vencendo preconceitos, se entendendo como gente, querendo mostrar seu valor. Mas não é tão simples assim. 


A história tem um fundo sombrio, embora alguns personagens sejam cômicos. Personagens esquisitos, uma situação de escravidão muito tensa no meio da história. Uma missão multiplexa, eu diria. Que vão fazendo Jo amadurecer ao longo da história, a sua transformação vai sendo mostrada gradativamente, é muito bonito.


Apesar disso, nada parece fazer sentido até que chega o final e os acontecimentos nos remetem a cada etapa lá do início, fechando um ciclo temporal e nos dando essa dimensão da evolução do personagem. 🤯



É o tipo de livro que, quando terminamos de ler, a vontade é de começar tudo de novo, na mesma hora. É incrível!


A junção dessas duas histórias, igualmente futuristas e disruptivas em termos de narrativa é tão genial (sem exagero), que não sei como Samuel R Delany não é mais conhecido. Saiba mais sobre o autor clicando aqui.




Peguei esse livro pela parceria com a Editora Morro Branco. Quero inclusive agradecer pela sugestão tão acertada. Talvez ele não fosse minha primeira escolha, mas foi fantástico começar esse novo ciclo com essa leitura. 




quinta-feira, março 17, 2022

Resenha | Bint, por Knedi Okorafor

Vou abrir essa resenha com a questão central: O livro, a edição brasileira, "Binti", de Knedi Okorafor,  tem problemas. 

Vou aqui elencar em tópicos os problemas que encontrei nessa leitura (sim, pensando no todo) e com essa edição. E, principalmente, tentando separar o meu "desgosto" com a história e o que problematizei sobre tudo, contexto, cenário e edição.




"Binti" foi premiado com Hugo e Nebula 

Então, minha primeira crítica vai para a editora. Porque esse livro tem uma tradução ruim, ele tem problemas de revisão, erros de digitação e concordância. O que é inaceitável para uma editora do porte da Galera Record, que teria condições (na minha visão "obrigação") de cuidar melhor de um produto como esse.

No post do Instagram eu disse que o livro estava mal escrito. Revi esse ponto agora, ao adaptar essa resenha para o blog, porque aqui eu tenho condições de elaborar melhor essa ideia. Estar "mal escrito", no caso de uma tradução, envolve vários quesitos. E, acredito que um livro que recebe prêmios importantes de literatura, têm algum valor literário. É o mínimo que se espera.

Acredito que o texto tenha sido mal traduzido, sem considerar algumas questões culturais da língua original em que foi escrito, ao passar para o nosso idioma. Por exemplo, quando a autora descreve uma situação dramática, em que a personagem foi derrotada, está desiludida, mas percebe a ironia daquele episódio da sua vida e completa o seu relato dizendo simplesmente "Ri". Eu estou interpretando e querendo acreditar que ela "sorriu", porque o "riso" normalmente está associado ao deboche. O que não caberia naquilo que acabei de ler.

E esse "Ri" aparece diversas vezes. A história tem muito drama e a personagem "ri" de tudo. Aquilo não faz sentido. Por mais que a gente entenda o problema de tradução literal (ou seja lá que jargão técnico se dá pra isso), quebra a fluidez e no meu caso, faz perder completamente o interesse pela leitura.


Não é ficção científica (e porque eu me importo?) 

Estamos cada vez mais nos deparando com classificações de gênero erradas. Entendo que às vezes é difícil de encaixar um Weird que inclui pinceladas de sci-fi (Como "É assim que se perde a guerra do tempo") ou quando a história mistura elementos de ficção científica com fantasia. Mas Binti, além de descrever um universo fantástico, tem pseudociência, o que considero ainda mais problemático "hoje em dia". 

Para entender o que penso que seja Ficção científica, leia: O que define uma obra como de Ficção Científica?

  1. Pensa comigo, se a ideia é ser ficção científica, não faz sentido explicar a origem do que chamam de ciência como algo que veio de deidades, e não do estudo científico. Certo? Assim como não faz sentido falar que é sci-fi um dom que não se ensina, não se passa adiante, nem se evolui, só repete o que recebeu divinamente.
  2. A outra parte do que poderia ser considerado "tecnológico" passível de qualificá-lo como elemento sci-fi, foi um salto tecnológico dado de "presente", de alienígenas, para uma tribo. E os seres humanos, de posse desses artefatos, não foram estudá-los para entender como funcionavam, como melhorá-los ou reproduzi-los. Eles passam gerações usufruindo desse recurso, sem compartilhá-lo ou desenvolvê-lo. Nem mesmo uma engenharia reversa para entender melhor, caso aquilo parasse de funcionar.
  3. A viagem espacial é um elemento sci-fi, vocês podem argumentar. Mas e se a viagem para o espaço é feita com um bicho que apareceu aqui na Terra e convidou os humanos pra um passeio? 👀 Não foi a humanidade, nem qualquer outra civilização, que desenvolveu a tecnologia necessária...
  4. E não para por aí. Existe uma "universidade universal", no espaço. Mas, ela serve pra desenvolver habilidades que os alunos normalmente trazem consigo, não pra difundir conhecimento ou estudar para fazer novas descobertas. Qualquer semelhança com a escola de bruxos mais famosa do mundo, ou a escola do Xavier, não deve ser mera coincidência.
  5. Então, retomando aqui a questão dos elementos que qualificam uma obra como de ficção científica, entendam que: se a origem da tecnologia ou mesmo da viagem espacial e contato extraterrestre não tem explicação científica: é fantasia. Se existe um poder sobrenatural... Fantasia, weird, realismo fantástico, ficção especulativa - não tem porque chamar de ficção científica.


Engana-se quem pensa que a fantasia se ocupa de descrever universos desprovidos de tecnologia. Os personagens podem voar pelos mundos, fazer uso de naves espaciais, encontrar extraterrestres, robos, se envolver em guerras e ainda será fantasia, caso não explique a origem científica disso. Ex: Star Wars.

É um problema Bint não ser Sci-fi? Claro que não. Estou apenas sendo chata e pontuando algo que ME incomoda, porque não sou fã de fantasia.


Qual é a proposta de Binti? (a problematização)

A ideia desse livro era discutir os povos africanos? Posicioná-los na literatura com os "futurismos" que pedem a contemporaneidade? 

Bem, uma fração disso é apresentada quando a personagem mostra o seu preconceito em relação a uma tribo vizinha. Três tribos vivem muito próximas e se odeiam e procuram ignorar a existência uma da outra ao longo de gerações. Ok, isso é bem humano. 

Mas, no que contribui para a inclusão de povos africanos, os três povos serem preconceituosos e intolerantes uns com os outros, parados no tempo. Não entendi? Li errado? Provavelmente.

Fazendo um link desse tópico com o anterior e juntando com a minha opinião/visão dessa história. Acho problemático colocar tecnologia alienígena ou divina nas mãos de um povo como único recurso para o avanço tecnológico. Acho problemático que a história priorize o acesso ao conhecimento e desenvolvimento de povos como "presentes" e não como pesquisa, estudo e esforço em busca daquilo. 

Eles não têm capacidade? Passamos dos anos 2000, a computação, medicina, viagens espaciais, wi-fi são uma realidade, fruto de pesquisa e estudo. Porque o afrofuturismo não coloca isso como parte da sua história? Eu não entendo.


Opinião pessoal, minha mesmo

No mais é um YA (jovem adulto), para mim, raso, cansativo e redundante. A menina chora por tudo e por nada. Ela sequer desenvolve os sentimentos que a levam aquele sentimento, só diz que chora, chora e chora... 🙄 A personagem fala do aparelho que achou no deserto e do negócio que passa pelo corpo e o quanto aquilo é importante pra identidade cultural dela. Mas, assim, sem elaborar, só repetindo mesmo. 🤦🏻‍♀️

O livro é narrado em primeira pessoa, poderia nos dizer o que estava "pensando ou sentindo" e não o que estava "fazendo".


Enfim... É essa a minha opinião sobre esse livro, do qual esperei tanto e me decepcionou pacas.


Fim. 

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